As pessoas que assistem ao BBB, Big
Brother Brasil, com certeza, devido ao QI mínimo para entender as
"tramas" do programa nunca ouviram falar de George
Orwell, escritor inglês autor do clássico “1984”, onde está o Grande Irmão ou
Big Brother. O Grande Irmão vigia todos com câmaras (chamadas por ele de
teletelas), microfones, espiões, etc. Ele quer fidelidade total. Cria até um novo
idioma a "novilingua" onde pela supressão de palavras e alteração de
seu sentido através do "duplipensar" será impossível pensar alguma
coisa contrária ao grande irmão. A leitura de “1984”, claro, é incompatível com
o BBB, mas àqueles que ainda resistem nas barricadas da inteligência e que não
leram, corram para ler.
George Orwel, em busca de sua carreira
como escritor morou em Paris, no período entre as duas Guerras Mundiais, mais
precisamente da Rue Pot de Fer na região do Quartier Latin. Essa rua, sem
grandes atrativos cruza com a Rue Mouffetard, essa sim uma rua histórica, ainda
dos tempos dos romanos, a arena da Lutécia ainda está ali perto como testemunha
desse tempo. Nessa rua existe a Place de la Contrescarpe, cheia de cafés
charmosos onde Hemingway, John dos Passos, Joyce e outros também viveram. Não
sei se Orwell era amigo de Hemingway, mas de comum além do Quartier Latin, têm
o fato que ambos lutaram como voluntários na Guerra Civil Espanhola.
A guerra Civil Espanhola foi uma
espécie de vestibular para o nazismo. A obscuridade e a violência irracional
venceram a esperança de um mundo melhor e a bela Espanha foi mergulhada por 40 anos nas trevas do fascismo.
Até a década de 1970 lá havia pena de
morte aos inimigos do estado, aplicada com um instrumento,
provavelmente criado por Tomás de Torquemada e aperfeiçoado pelo Franco,
chamado garrote vil, que não vou descrever aqui, mas se você tiver curiosidade
digite o Google e veja. O ultimo executado, sob protestos do mundo todo em 1974,
foi um catalão chamado Salvador Puig Antich, que lutava contra o
terrorismo de estado do regime franquista.
Por causa dessa história não me
espantei, no ano passado quando num lugarejo da Espanha, chamado La Pedraja de
Montillo foi descoberta uma vala comum onde estavam enterradas vítimas,
possivelmente de execução, da Guerra Civil. Não conheço a Espanha, mas me valho
de alguns segundos de pesquisa para descobrir que este lugarejo está próximo da
cidade de Valladolid, na província de Castela, tendo um passado remoto desde os
romanos, depois os celtas, os árabes e por fim os castelhanos. Já foi sede da
coroa espanhola lá pelo século XVI, e é lá também que está enterrado Cristóvão
Colombo.
Este cara é um mistério. Dizem que era
genovês, outros afirmam que era judeu, mas muitos têm certeza que era um agente
a serviço de Portugal, que com sua proposta de navegação sempre para o oeste,de
modo a dar a volta ao mundo e assim chegar às Índias, atrasaria os espanhóis
garantindo assim a rota do Atlântico aos portugueses. Bom, o misterioso Colombo
chegou ao Caribe, mais precisamente na ilha que hoje é dividida pela República
Dominicana e o Haiti, a que ele chama de Hispaniola, o resto sabemos...
Nenhum país tem a vocação para a
tragédia e miséria que tem o Haiti. Primeiro país do mundo a abolir a
escravidão e segundo a se tornar independente das Américas, foi também uma
próspera colônia primeiramente espanhola, depois francesa, garantindo riqueza
aos seus senhores com o cacau e o açúcar. No entanto por ter uma população
basicamente negra, oriunda dos escravos trazidos da África e ter afrontado as
potências com um governo de negros livres, foi mantida em bloqueio comercial
por mais de 60 anos, o que deve ser a origem de sua situação de pobreza, ignorância
e corrupção endêmicas. O terremoto acontecido, apenas ressaltou ao mundo o seu
estado permanente de abandono. Há um filme muito interessante, que em seu
lançamento em 1969, foi censurado pela ditadura brasileira, chamado “Quemada!”,
estrelado por Marlon Brando, que pode nos ajudar a entender estes dramas que
têm como pano de fundo apenas interesses comerciais.
O bloqueio comercial ainda é uma arma,
vejam Cuba, que já sofre isso desde a sua Revolução de 1959. Não quero falar
aqui, pelo menos por enquanto, das questões políticas que envolvem a Ilha, mas
quero falar de música.Outro dia revi pela enésima vez o fantástico filme “Buena
Vista Social Clube”. Ouvir Chan Chan com Compay Segundo, Ibrahim Ferrer
entre outros e com a guitarra de Ry Cooder ao fundo, com certeza é muito melhor
que discutir porque o Fidel... Porque o Chavez... Porque o Obama... A crise dos
mísseis... O assassinato do Kennedy... Enfim, haveria conexões demais. Mas a
música cubana tem a mesma influencia africana que a nossa tem, mas suas
guitarras nos remetem a música flamenca com sua forte influência árabe.
Não dá para falar de música flamenca
sem falar do andaluz Paco de Lucia. Vale a pena ouvir qualquer coisa dele, mas
em especial o Concierto de Aranjuez de Joaquim Rodrigo, apesar de não ser
música religiosa, com certeza nos faz ficar mais perto do céu. Também não dá
para falar do flamenco sem citar o madrilenho Manzanita, precocemente falecido
aos 48 anos. Uma de suas composições mais famosas foi musicar um poema do
também andaluz Federico Garcia Lorca, “Romance Sonámbulo”, que está no
Romancero Gitano, cujos primeiros versos reproduzo abaixo
Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.
Devo confessar que o Fagner gravou isso, mas não
vou fazer nenhuma conexão deste fato e ninguém pode provar que eu ouvi... O
espírito livre de Garcia Lorca bateu de frente com a obscuridade dos
nacionalistas espanhóis que o executaram aos 38 anos, durante a Guerra Civil
Espanhola e sumiram com seu corpo com certeza, enterrado em uma vala comum,
como essa de La Pedraja de Montillo. Entre
seus amigos mais próximos estava o pintor catalão surreal Salvador Dali, que saiu da
Espanha antes da guerra se mudando para Paris, onde está o Museu Salvador Dali em Montmartre. Provavelmente Dali, que morava em Montmartre não atravessava o Sena para ir ao Quartier Latin... Talvez por ser polêmico, exótico e muito louco, acabou tomando a
mulher de seu amigo, o poeta francês Paul Eluard,este sim frequentador dos cafés da Contrescarpe e cuja militância política fez
com que lutasse na Guerra Civil Espanhola como George Orwell.
Transformar a liberdade em poemas, canções,
pinturas e atitudes, era isso que o Grande Irmão queria evitar ao vigiar todos.
De certa forma o BBB faz isso, mostrando o quanto o ser humano pode ser
mesquinho, sentimo-nos todos vigiados também.