terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Conexões - I


As pessoas que assistem ao BBB, Big Brother Brasil, com certeza, devido ao QI mínimo para entender as "tramas" do programa nunca ouviram falar de George Orwell, escritor inglês autor do clássico “1984”, onde está o Grande Irmão ou Big Brother. O Grande Irmão vigia todos com câmaras (chamadas por ele de teletelas), microfones, espiões, etc. Ele quer fidelidade total. Cria até um novo idioma a "novilingua" onde pela supressão de palavras e alteração de seu sentido através do "duplipensar" será impossível pensar alguma coisa contrária ao grande irmão. A leitura de “1984”, claro, é incompatível com o BBB, mas àqueles que ainda resistem nas barricadas da inteligência e que não leram, corram para ler.

George Orwel, em busca de sua carreira como escritor morou em Paris, no período entre as duas Guerras Mundiais, mais precisamente da Rue Pot de Fer na região do Quartier Latin. Essa rua, sem grandes atrativos cruza com a Rue Mouffetard, essa sim uma rua histórica, ainda dos tempos dos romanos, a arena da Lutécia ainda está ali perto como testemunha desse tempo. Nessa rua existe a Place de la Contrescarpe, cheia de cafés charmosos onde Hemingway, John dos Passos, Joyce e outros também viveram. Não sei se Orwell era amigo de Hemingway, mas de comum além do Quartier Latin, têm o fato que ambos lutaram como voluntários na Guerra Civil Espanhola.

A guerra Civil Espanhola foi uma espécie de vestibular para o nazismo. A obscuridade e a violência irracional venceram a esperança de um mundo melhor e a bela Espanha foi mergulhada por 40 anos nas trevas do fascismo. Até a década de 1970 lá havia pena de morte aos inimigos do estado, aplicada com um instrumento, provavelmente criado por Tomás de Torquemada e aperfeiçoado pelo Franco, chamado garrote vil, que não vou descrever aqui, mas se você tiver curiosidade digite o Google e veja. O ultimo executado, sob protestos do mundo todo em 1974, foi um catalão chamado Salvador Puig Antich, que lutava contra o terrorismo de estado do regime franquista.

Por causa dessa história não me espantei, no ano passado quando num lugarejo da Espanha, chamado La Pedraja de Montillo foi descoberta uma vala comum onde estavam enterradas vítimas, possivelmente de execução, da Guerra Civil. Não conheço a Espanha, mas me valho de alguns segundos de pesquisa para descobrir que este lugarejo está próximo da cidade de Valladolid, na província de Castela, tendo um passado remoto desde os romanos, depois os celtas, os árabes e por fim os castelhanos. Já foi sede da coroa espanhola lá pelo século XVI, e é lá também que está enterrado Cristóvão Colombo.

Este cara é um mistério. Dizem que era genovês, outros afirmam que era judeu, mas muitos têm certeza que era um agente a serviço de Portugal, que com sua proposta de navegação sempre para o oeste,de modo a dar a volta ao mundo e assim chegar às Índias, atrasaria os espanhóis garantindo assim a rota do Atlântico aos portugueses. Bom, o misterioso Colombo chegou ao Caribe, mais precisamente na ilha que hoje é dividida pela República Dominicana e o Haiti, a que ele chama de Hispaniola, o resto sabemos...

Nenhum país tem a vocação para a tragédia e miséria que tem o Haiti. Primeiro país do mundo a abolir a escravidão e segundo a se tornar independente das Américas, foi também uma próspera colônia primeiramente espanhola, depois francesa, garantindo riqueza aos seus senhores com o cacau e o açúcar. No entanto por ter uma população basicamente negra, oriunda dos escravos trazidos da África e ter afrontado as potências com um governo de negros livres, foi mantida em bloqueio comercial por mais de 60 anos, o que deve ser a origem de sua situação de pobreza, ignorância e corrupção endêmicas. O terremoto acontecido, apenas ressaltou ao mundo o seu estado permanente de abandono. Há um filme muito interessante, que em seu lançamento em 1969, foi censurado pela ditadura brasileira, chamado “Quemada!”, estrelado por Marlon Brando, que pode nos ajudar a entender estes dramas que têm como pano de fundo apenas interesses comerciais.

O bloqueio comercial ainda é uma arma, vejam Cuba, que já sofre isso desde a sua Revolução de 1959. Não quero falar aqui, pelo menos por enquanto, das questões políticas que envolvem a Ilha, mas quero falar de música.Outro dia revi pela enésima vez o fantástico filme “Buena Vista Social Clube”. Ouvir Chan Chan com Compay Segundo, Ibrahim Ferrer entre outros e com a guitarra de Ry Cooder ao fundo, com certeza é muito melhor que discutir porque o Fidel... Porque o Chavez... Porque o Obama... A crise dos mísseis... O assassinato do Kennedy... Enfim, haveria conexões demais. Mas a música cubana tem a mesma influencia africana que a nossa tem, mas suas guitarras nos remetem a música flamenca com sua forte influência árabe.

Não dá para falar de música flamenca sem falar do andaluz Paco de Lucia. Vale a pena ouvir qualquer coisa dele, mas em especial o Concierto de Aranjuez de Joaquim Rodrigo, apesar de não ser música religiosa, com certeza nos faz ficar mais perto do céu. Também não dá para falar do flamenco sem citar o madrilenho Manzanita, precocemente falecido aos 48 anos. Uma de suas composições mais famosas foi musicar um poema do também andaluz Federico Garcia Lorca, “Romance Sonámbulo”, que está no Romancero Gitano, cujos primeiros versos reproduzo abaixo

Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.

Devo confessar que o Fagner gravou isso, mas não vou fazer nenhuma conexão deste fato e ninguém pode provar que eu ouvi... O espírito livre de Garcia Lorca bateu de frente com a obscuridade dos nacionalistas espanhóis que o executaram aos 38 anos, durante a Guerra Civil Espanhola e sumiram com seu corpo com certeza, enterrado em uma vala comum, como essa de La Pedraja de Montillo. Entre seus amigos mais próximos estava o pintor catalão surreal Salvador Dali, que saiu da Espanha antes da guerra se mudando para Paris, onde está o Museu Salvador Dali em Montmartre. Provavelmente Dali, que morava em Montmartre não atravessava o Sena para ir ao Quartier Latin... Talvez por ser polêmico, exótico e muito louco, acabou tomando a mulher de seu amigo, o poeta francês Paul Eluard,este sim frequentador dos cafés da Contrescarpe e cuja militância política fez com que lutasse na Guerra Civil Espanhola como George Orwell.

Transformar a liberdade em poemas, canções, pinturas e atitudes, era isso que o Grande Irmão queria evitar ao vigiar todos. De certa forma o BBB faz isso, mostrando o quanto o ser humano pode ser mesquinho, sentimo-nos todos vigiados também.

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