terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Conexões II


Na civilizada cidade de Bruxelas, na Bélgica, além de um monumento ao átomo de Ferro, lembrança de uma Feira Mundial lá dos anos 50, chamado Atomium, existe, a poucos quilômetros do centro, o Museu Real da África Central (Musee Royal de l'Afrique Central) que procura mostrar que os civilizados belgas têm alguma consideração pela África.
Os belgas patrocinaram um dos regimes coloniais mais violentos que se teve história. O que é hoje a República Democrática do Congo (também já foi Zaire), foi o Estado Livre do Congo, uma fazenda do rei belga Leopoldo II. Era um negócio particular do monarca, onde não havia nenhuma lei. Milhões de africanos foram mortos de fome ou de exaustão ou ainda abatidos a tiros em caçadas.  O domínio belga perdurou até 1960, quando se tornou independente. Em sua primeira eleição, elegeu Patrice Lumumba que um dos principais líderes do movimento anti-colonialista. Dois meses após a eleição, Lumumba foi seqüestrado e assassinado por forças especiais belgas, o país ficou em convulsão até 1965, quando o governo foi tomado por Mobutu Sese Seko que, de forma ditatorial e violenta dilapidou o Congo (foi ele que inventou o nome Zaire) por mais de 30 anos, somente de 2006 para cá o país vem conhecendo alguma tranqüilidade.
No início do século XX, o grande escritor inglês (nascido na Polônia) Joseph Conrad escreveu um livro chamado “O Coração das Trevas” onde ele conta a história do marinheiro Marlow que sobe um grande rio da África (ele não diz mas dá toda as dicas que se trata do rio Congo) para resgatar um comerciante chamado Kurtz, que havia enlouquecido e não estava respeitando as normas comerciais. Conrad descreve parte da violência doentia que reinava naquele pedaço do mundo. Bem mais tarde Francis Ford Coppola, faz o fantástico “Apocalypse Now” baseado neste livro. Só que agora o absurdo é a Guerra do Vietnam e o Capitão Marlow recebe a missão de matar o Coronel Kurtz, um condecorado militar das forças especiais americanas que havia se estabelecido no alto rio Mekong e lá criado um território sob sua própria lei. Assistir este filme é tarefa obrigatória de quem quer entender nosso mundo hoje. Mas queria apenas me fixar em uma passagem do filme. Trata-se de um ataque de helicópteros a uma aldeia vietcong, com muita bomba e napalm ( um gel de gasolina e outros inflamáveis que aderia ao que tocasse e aí pegava fogo...). Este ataque é feito ao som de Wilhelm Richard Wagner, A Cavalgada das Valquírias (Die Walküre), veja a cena em  http://www.youtube.com/watch?v=sx7XNb3Q9Ek&feature=related.
Wagner era o compositor preferido de Hitler pela “germanicidade” de sua obra e não porque ele tenha tido alguma coisa com o nazismo. Influenciou Nietzsche, que tinha uma paixão platônica por sua mulher Cosima que era filha de Franz Liszt que entre tantas obras primas teve tempo para ser amigo de Frederic Chopin. Bom o que nos interessa aqui é Chopin autor de Noturnos, Polonaises e Sonatas, entre elas a Sonata nº 2, cujo terceiro movimento é conhecido com Marche Funèbre. Este movimento foi composto antes que fizesse a sonata, e sua solenidade é reconhecida nos seus primeiros acordes, vale a pena ouvir a pianista russa Valentina Igoshina em http://www.youtube.com/watch?v=xPqMd06warU&playnext=1&list=PL721CFC68F34E1061
Vale a pena também ouvir o pianista brasileiro Nelson Freire que gravou todas as composições de Chopin, sendo um de seus interpretes mais conhecidos atualmente.
Bom, apesar de ter vivido sua fase mais produtiva no exílio em Paris, há algumas versões que a Marcha Fúnebre foi composta em seu pais natal, para onde pediu que após a morte fosse levado seu coração ( o corpo está no cemitério Pére Lachese em Paris). Na sua época a Polônia havia sido dividida entre o Império Austríaco, o Reino da Prússia (atual Alemanha) e o Império Russo. A cidade natal de Chopin foi ocupada pelos russos. A Polônia somente voltaria a ser um país em 1918, era a Marcha Fúnebre de seu próprio país...
Quase cem depois de Chopin, a Polônia foi o estopim da Segunda Guerra Mundial quando os nazistas ocuparam o que era a Prússia Oriental após um tratado secreto feito com Stalin para repartir de novo aquele país. Mais de 23mil oficiais do exército polonês que tentaram o apoio dos comunistas para resistirem aos nazistas foram aprisionados por aqueles e executados na floresta de Katyn. Este crime ficou oculto por muitos anos somente tendo sido assumido pelos russos recentemente no governo do sinistro Vladimir Putin. No entanto, em 2010 quando o presidente polonês se dirigia ao povoado de Katyn, que fica na fronteira com a Rússia, para participar de uma cerimônia de celebração do 70º aniversário do massacre, seu avião caiu em território russo matando os quase 100 ocupantes.
Na civilizada Varsóvia, em uma de suas igrejas está enterrado o coração de Frederic Chopin. Esta igreja não foi destruída pelos nazistas pela intervenção de um general alemão, em um acesso de civilidade. O monumento a Chopin foi reconstruído, assim como o de outro polonês muito conhecido que foi Nicolau Copérnico. No final dos anos 80 foi construído um memorial para os soldados massacrados pelos russos. É assim... todo mundo, de uma forma ou de outra celebra suas dores e vergonhas.

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